Ernesto Nhanale
A análise feita no jornal Notícias permite-nos concluir que existe uma tendência de produzir enquadramentos discursivos positivos sobre a campanha de Filipe Nyusi e da Frelimo em detrimento dos restantes, que gravita entre neutro e negativo. Por outro lado, MDM e Renamo e respectivos candidatos presidenciais são tendencialmente positivos nos órgãos de informação privados.
Neste segundo número do observatório da cobertura dos media à campanha das eleições gerais de 2014, iremos dedicar à análise da variável que procura descrever a tendência da cobertura, sob ponto de vista da neutralidade ou não dos jornalistas.
Para o efeito, iremos considerar os artigos publicados no Jornal Notícias. Analisar este jornal expressa para nós a continuidade das reclamações que vêm dos diversos sectores da sociedade sobre a cobertura dos media do sector público na presente campanha eleitoral. A este propósito, Tomás V. Mário produz um texto de leitura indispensável na edição do Jornal Savana de 19 de Setembro de 2014, com o título “Comunicação social e eleições: quem vigia o vigilante?”.
Embora seja considerado difícil estabelecer uma cobertura jornalística objectiva, em diversos níveis que não interessam aqui mencionar, os rituais, as práticas, a ética profissional e a necessidade de garantir a credibilidade profissional, indica que o trabalho da cobertura jornalística deve seguir-se pela objectividade que expressa a necessidade de o jornalista ser neutro, aplicando diversos procedimentos, como “limitar-se ao factos”, “separar as opiniões pessoais ou do jornal das notícias”, “evitar a adjectivação”, “garantir igual acesso aos candidatos ao espaço do jornal”, “respeitar o direito ao contraditório, em casos de disputas”, etc[1]. Como definição, entenderíamos melhor o sentido da objectividade a partir do seu antónimo, a parcialidade, isto é, sempre que o jornalista tomar algum partido na sua cobertura, estaria a agir de uma forma não objectiva.
E como é que o jornalista pratica ou não a objectividade? O jornalista é objectivo quando procura fazer um relato discursivo que “deixa os factos” falarem e a opinião ao critério do leitor, funcionando, simplesmente, como “mediador” entre os protagonistas/os factos (neste caso os partidos políticos e os actores das campanhas) e o público. Verificamos a quebra da objectividade, quando o jornalista tende, com a sua participação na notícia/reportagem que escreve, procura ser também um actor dos factos ou tende a condicionar a interpretação dos factos aos leitores, a partir dos enquadramentos que faz nas suas descrições. Na cobertura eleitoral, tal acontece a partir da tentativa de classificar ou adjectivar a campanha dos candidatos, sobretudo quando se procura fazer interpretações e condicionar a percepção do público sobre o curso da campanha eleitoral.
Na nossa análise, procuramos captar estes efeitos a partir de uma variável que designamos tom da cobertura eleitoral, através dos títulos e nas descrições feitas pelo jornalista o tipo de adjectivações que são oferecidas. Neste sentido, categorias são fundamentais da variável tom de um determinado enunciado que pode ser positivo, negativo e neutro. O tom positivo é definido por uma afirmação favorável sobre um determinado candidato; o tom negativo por uma afirmação desfavorável e o neutro por uma afirmação não favorável nem desfavorável[2] .
A análise feita no jornal Notícias sobre estas variáveis mostra que, embora predominem artigos com classificados como neutros em relação aos partidos da oposição, em relação ao partido Frelimo, existe uma tendência de produzir enquadramentos discursivos positivos sobre a campanha do seu candidato. Podem ser encontrados exemplos disso, nos artigos publicados sobre as sondagens e a ilustração de apoios assim como aceitação popular da campanha do seu candidato, como pode ilustrar este exemplo: “apoio a Filipe Nyusi: avolumam-se iniciativas”; “avolumam-se, diariamente, pelo país, as iniciativas de apoio ao candidato do partido Frelimo”, Edição de 21 de Agosto.
Este exemplo nota que, em vez de o repórter do jornal, relatar o número de iniciativas de apoio que presenciou, o que ilustraria factos, classifica o acto sob ponto de vista de crescimento, indicando o aumento de iniciativas de apoio ao candidato, sem que tal tivesse alguma comparação objectiva. Trata-se aqui, como noutras vezes, o tipo daquilo que se considera de cobertura positiva, tentando demonstrar o sucesso da campanha da Frelimo.
Podemos fundamentar melhor esta tendência da cobertura positiva a partir de três títulos da campanha dos candidatos, publicados no dia 18 de Setembro que podem constituir um bom exemplo para uma melhor compreensão da tendência da cobertura positiva da Frelimo, no Jornal Notícias:
- CAMPANHA ELEITORAL – Frelimo partido de realizações
- CAMPANHA ELEITORAL – Dhlakama promete mudanças
- CAMPANHA ELEITORAL – Simango hoje em Inhambane
Estes títulos que compõem a montra e a maneira como o texto deverá ser entendido, colocando a Frelimo, numa posição de qualidade diferente aos outros, ao ser um partido de realizações, isto é, um partido que faz coisas acontecerem; por seu turno, Dhlakama, um homem de promessas (promessa é algo que pode não se cumprir) e o Simango, em Inhambane, um enquadramento que busca ilustrar uma simples ocorrência de cumprimento de calendário de campanha.
Estes são alguns exemplos dos vários, qualitativamente seleccionados para discutir a questão, sobretudo no Jornal Notícias. Por acreditarmos que a tendência da cobertura dos candidatos Daviz Simango e Afonso Dhlakama em alguns semanários tende a ser positiva e a do candidato da Frelimo, Filipe Nyusi, negativa, voltaremos na próxima semana com uma análise da mesma variável nos semanários. Ainda na próxima semana, iremos fornecer os dados quantitativos da tendência da cobertura na primeira semana da campanha, neste momento, em processo de apuramento e verificação.
Muito obrigado por nos acompanhar!
[1] – Quem estiver interessado em aprofundar um pouco mais sobre esta matéria da retórica e da prática da objectividade, recomendo que lei dois textos interessantes: TUCHMAN, Gaye “A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de objectividade dos jornalistas”. In TRAQUINA, N. [Org.] (1999). Jornalismo: Questões, teorias e “estórias”. 2ª ed. Lisboa: Veja. pp. 74 – 90.; Jay Rosen, “Para além da objectividade”. In Revista Comunicação e linguagens, n° 27, Fevereior de 2000.
[2] – SERRANO, E (2006). Jornalismo político em Portugal: A cobertura de eleições presidenciais na imprensa e na televisão (1976-2001). Lisboa: Edições Colibri.