“Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como esta trata as suas crianças” Nelson Mandela.
Hoje, 20 de Novembro, celebra-se o Dia Mundial da Criança. O lema escolhido pela Rede Criança e a Visão Mundial para advocacia neste dia é “ Casamento Prematuro deve ser penalizado”. A questão de casamentos prematuros em Moçambique constitui uma séria transgressão dos direitos da criança, atingindo na sua maioria a rapariga. Os casamentos prematuros são definidos como união marital, envolvendo uma pessoa com idade inferior a 18 anos, que é criança, pois não é capaz de dar o seu consentimento válido para se casar[1].
Em Moçambique esta violação dos Direitos Humanos das raparigas põem em causa o seu desenvolvimento físico, intelectual e psicológico, sendo um grave problema socioeconómico que tem sido ainda “um dos assuntos negligenciados”. Esta problemática faz com que Moçambique seja considerado o décimo país do mundo com uma prevalência de casamentos prematuros mais elevada[2]. Entendemos que os media podem desempenhar um papel preponderante na prevenção e no combate à violação dos Direitos Humanos das raparigas, comunicando, formando a opinião pública, educando e influenciando positivamente o comportamento dos principais actores.
Em 2016 entrou em vigor a Estratégia Nacional para a Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros-2016-2019. Para perceber como a media tem contribuído para a acesso à informação sobre os casamentos prematuros, analisamos a cobertura jornalística dos dois maiores jornais diários moçambicanos, “ Notícias” e o “ O País” durante um ano. Pensa-se que os jornalistas, sendo especialistas dos meios de comunicação social, devem usar os seus conhecimentos para auxiliar, monitorar e promover a implementação dos direitos consagrados na Convecção sobre os Direitos da Criança, com o intuito de ajudar as crianças a entender e expressar os seus direitos e, também, para colocar e manter as questões da criança na agenda.
Contudo, a nossa análise mostra que os jornais “Notícias” e “O País” se eximem de fazer análises profundas dos reais contextos, causas e consequências sobre a problemática de casamentos prematuros em Moçambique. Apesar de os dois jornais, “Notícias” e “O País”, divulgarem informações que visem a prevenção e o combate aos casamentos prematuros.
Com efeito, a maior parte dos artigos analisados sobre a questão de casamentos prematuros nos dois jornais, não foi assinada, o que se traduziu em artigos menos trabalhados.
A paternidade dos artigos jornalísticos sobre casamentos prematuros em Moçambique
Gráfico 1:
O gráfico revela que a variável “sem assinatura” (que representa artigos que não são assinados), é mais destacada nos dois diários. No jornal Notícias, 47 artigos analisados, equivalentes a 73.4%, não foram assinados. E 13 artigos jornalísticos publicados não assinados, equivalentes a 43.3%, são do jornal O País. Ou seja, o jornal Notícias, um jornal financiado com fundos públicos destaca-se na publicação de artigos menos trabalhados e mais curtos, isso porque os jornalistas não se dedicam correctamente a cada texto produzido.[3]
No que diz respeito às variáveis “sexo feminino e masculino”, o jornal Notícias apresenta um equilíbrio entre os jornalistas do sexo feminino e masculino na cobertura jornalística da problemática de casamentos prematuros no país. Do total de artigos analisados no jornal Notícias, 9 artigos foram assinados por jornalistas do sexo feminino (14.1%) e, 8 artigos assinados por jornalistas do sexo masculino (12.5%). Contudo, o jornal O País privilegiou os jornalistas do sexo masculino para a cobertura dos casamentos prematuros. Este jornal presenta maior percentagem de artigos assinados pelos homens com 36.7%, equivalente a 11 artigos, em relação à percentagem das mulheres que é de 20%, equivalente a 6 artigos publicados.
Fontes de informação nos artigos jornalísticos sobre casamentos prematuros em Moçambique
Gráfico 2:
Conforme o gráfico acima, é possível constatar que no jornal Notícias, as fontes governamentais são as mais predominantes nos artigos; no universo de 64 peças jornalísticas analisadas do Notícias, 44.5% das fontes que sustentam a informação são governamentais e foram utilizadas em 41 artigos. Houve 37% de artigos elaborados com base em fontes particulares onde se destacam as organizações da sociedade civil, utilizadas em 34 artigos e, em menor medida, são ouvidas as fontes informais com 12%, utilizadas em 11 artigos. O diário O País não foge muito da tendência do Notícias. Dos 30 artigos publicados pelo O País, 61.1% privilegiam as fontes governamentais que foram utilizadas em 22 artigos; e em 19.5% das fontes particulares, utilizadas em 7 artigos. As fontes informais não tiveram muito espaço, tendo 8.3%, utilizadas em 3 peças identificadas.
Total de publicações sobre casamentos prematuros em Moçambique nos dois jornais
O universo de artigos jornalísticos recolhidos ao longo da análise e sua repartição pelos jornais diários (Notícias e O País). Ao todo, foram 94 artigos que abordam a questão de casamentos prematuros nos dois jornais diários, de Janeiro de 2016 a Dezembro do mesmo ano. Em termos de notícias publicadas, o jornal Notícias deu mais destaque ao assunto de casamentos prematuros com 64 artigos publicados, equivalentes a 68,1 por cento. E o jornal O País teve o total de 30 artigos publicados, equivalentes a 31,9 por cento.
Considerações:
Em termos gerais, esta análise de cobertura jornalística revela que têm que ser criadas condições de vária ordem para que o jornalista possa trazer artigos que contribuam mais na educação e mudança de comportamento dos diversos actores envolvidos na questão de casamentos prematuros no país, o que, consequentemente, pode contribuir para a prevenção e o combate desta prática social[4].
[1] Open Society Initiative for Southern Africa. Narrative report template. Moçambique, 2016. 2
[2] Rede de Comunicadores Amigos da Criança. A Criança na Imprensa: Análise
da cobertura jornalística. Moçambique, 2013.
[3] CORREIA, Karla Marthinna Viana. Análise de conteúdo do Jornalismo Impresso Natalense. Universidade Federal do Rio Grande do Note: Natal, 2007. 153 p.
[4] Por Jacob Mapossa, analista de dados licenciado em Jornalismo na Universidade Eduardo Mondlane.