O partidarismo na cobertura eleitoral. O caso do Jornal Notícias

Ernesto Nhanale

A análise feita no jornal Notícias permite-nos concluir que existe uma tendência de produzir enquadramentos discursivos positivos sobre a campanha de Filipe Nyusi e da Frelimo em detrimento dos restantes, que gravita entre neutro e negativo. Por outro lado, MDM e Renamo e respectivos candidatos presidenciais são tendencialmente positivos nos órgãos de informação privados.
Neste segundo número do observatório da cobertura dos media à campanha das eleições gerais de 2014, iremos dedicar à análise da variável que procura descrever a tendência da cobertura, sob ponto de vista da neutralidade ou não dos jornalistas.

Para o efeito, iremos considerar os artigos publicados no Jornal Notícias. Analisar este jornal expressa para nós a continuidade das reclamações que vêm dos diversos sectores da sociedade sobre a cobertura dos media do sector público na presente campanha eleitoral. A este propósito, Tomás V. Mário produz um texto de leitura indispensável na edição do Jornal Savana de 19 de Setembro de 2014, com o título “Comunicação social e eleições: quem vigia o vigilante?”.

Embora seja considerado difícil estabelecer uma cobertura jornalística objectiva, em diversos níveis que não interessam aqui mencionar, os rituais, as práticas, a ética profissional e a necessidade de garantir a credibilidade profissional, indica que o trabalho da cobertura jornalística deve seguir-se pela objectividade que expressa a necessidade de o jornalista ser neutro, aplicando diversos procedimentos, como “limitar-se ao factos”, “separar as opiniões pessoais ou do jornal das notícias”, “evitar a adjectivação”, “garantir igual acesso aos candidatos ao espaço do jornal”, “respeitar o direito ao contraditório, em casos de disputas”, etc[1]. Como definição, entenderíamos melhor o sentido da objectividade a partir do seu antónimo, a parcialidade, isto é, sempre que o jornalista tomar algum partido na sua cobertura, estaria a agir de uma forma não objectiva.

E como é que o jornalista pratica ou não a objectividade? O jornalista é objectivo quando procura fazer um relato discursivo que “deixa os factos” falarem e a opinião ao critério do leitor, funcionando, simplesmente, como “mediador” entre os protagonistas/os factos (neste caso os partidos políticos e os actores das campanhas) e o público. Verificamos a quebra da objectividade, quando o jornalista tende, com a sua participação na notícia/reportagem que escreve, procura ser também um actor dos factos ou tende a condicionar a interpretação dos factos aos leitores, a partir dos enquadramentos que faz nas suas descrições. Na cobertura eleitoral, tal acontece a partir da tentativa de classificar ou adjectivar a campanha dos candidatos, sobretudo quando se procura fazer interpretações e condicionar a percepção do público sobre o curso da campanha eleitoral.
Na nossa análise, procuramos captar estes efeitos a partir de uma variável que designamos tom da cobertura eleitoral, através dos títulos e nas descrições feitas pelo jornalista o tipo de adjectivações que são oferecidas. Neste sentido, categorias são fundamentais da variável tom de um determinado enunciado que pode ser positivo, negativo e neutro. O tom positivo é definido por uma afirmação favorável sobre um determinado candidato; o tom negativo por uma afirmação desfavorável e o neutro por uma afirmação não favorável nem desfavorável[2] .

A análise feita no jornal Notícias sobre estas variáveis mostra que, embora predominem artigos com classificados como neutros em relação aos partidos da oposição, em relação ao partido Frelimo, existe uma tendência de produzir enquadramentos discursivos positivos sobre a campanha do seu candidato. Podem ser encontrados exemplos disso, nos artigos publicados sobre as sondagens e a ilustração de apoios assim como aceitação popular da campanha do seu candidato, como pode ilustrar este exemplo: “apoio a Filipe Nyusi: avolumam-se iniciativas”; “avolumam-se, diariamente, pelo país, as iniciativas de apoio ao candidato do partido Frelimo”, Edição de 21 de Agosto.
Este exemplo nota que, em vez de o repórter do jornal, relatar o número de iniciativas de apoio que presenciou, o que ilustraria factos, classifica o acto sob ponto de vista de crescimento, indicando o aumento de iniciativas de apoio ao candidato, sem que tal tivesse alguma comparação objectiva. Trata-se aqui, como noutras vezes, o tipo daquilo que se considera de cobertura positiva, tentando demonstrar o sucesso da campanha da Frelimo.
Podemos fundamentar melhor esta tendência da cobertura positiva a partir de três títulos da campanha dos candidatos, publicados no dia 18 de Setembro que podem constituir um bom exemplo para uma melhor compreensão da tendência da cobertura positiva da Frelimo, no Jornal Notícias:

  • CAMPANHA ELEITORAL – Frelimo partido de realizações
  • CAMPANHA ELEITORAL – Dhlakama promete mudanças
  • CAMPANHA ELEITORAL – Simango hoje em Inhambane

Estes títulos que compõem a montra e a maneira como o texto deverá ser entendido, colocando a Frelimo, numa posição de qualidade diferente aos outros, ao ser um partido de realizações, isto é, um partido que faz coisas acontecerem; por seu turno, Dhlakama, um homem de promessas (promessa é algo que pode não se cumprir) e o Simango, em Inhambane, um enquadramento que busca ilustrar uma simples ocorrência de cumprimento de calendário de campanha.
Estes são alguns exemplos dos vários, qualitativamente seleccionados para discutir a questão, sobretudo no Jornal Notícias. Por acreditarmos que a tendência da cobertura dos candidatos Daviz Simango e Afonso Dhlakama em alguns semanários tende a ser positiva e a do candidato da Frelimo, Filipe Nyusi, negativa, voltaremos na próxima semana com uma análise da mesma variável nos semanários. Ainda na próxima semana, iremos fornecer os dados quantitativos da tendência da cobertura na primeira semana da campanha, neste momento, em processo de apuramento e verificação.
Muito obrigado por nos acompanhar!

[1] – Quem estiver interessado em aprofundar um pouco mais sobre esta matéria da retórica e da prática da objectividade, recomendo que lei dois textos interessantes: TUCHMAN, Gaye “A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de objectividade dos jornalistas”. In TRAQUINA, N. [Org.] (1999). Jornalismo: Questões, teorias e “estórias”. 2ª ed. Lisboa: Veja. pp. 74 – 90.; Jay Rosen, “Para além da objectividade”. In Revista Comunicação e linguagens, n° 27, Fevereior de 2000.

[2] – SERRANO, E (2006). Jornalismo político em Portugal: A cobertura de eleições presidenciais na imprensa e na televisão (1976-2001). Lisboa: Edições Colibri.

Campanha eleitoral: como os partidos políticos estão a conduzi-la?

Compulsando sobre o espaço virtual da internet é, nesta campanha eleitoral, o maior repositório de informação e supera de longe as outras campanhas, tendo em conta que a largura da banda e a proliferação de serviços de internet e de telefonia móvel cresceu, desde 2009.
Em Moçambique, circulam mais de 2 milhões de telemóveis de terceira e quarta geração (smartphones) que possibilitam o acesso à internet e com ela, o acesso e troca da informação.

Ora, como os partidos e respectivos candidatos estão a usar este espaço virtual é algo que ainda precisa ser estudado com necessário detalhe, mas desde já, podemos afirmar que existem desafios enormes que precisam ser superados em pelo menos cinco dimensões: na organização e otimização da informação, na canalização das mensagens, na promoção do engajamento e criação de conteúdo.

Organização Da Informação
Apesar desta campanha eleitoral ter disponível os manifestos eleitorais, eles são menos discutidos. Outro tipo de material de campanha como logótipo, banners, stickers, cânticos etc; manifestos dos candidatos, palavras de ordem, gingles, vídeos do candidato, resumo de reuniões e comícios, testemunhos etc., não se encontram disponíveis num único repositório. A informação encontra-se espalhada em vários suportes e formatos e plataformas, o que exige dos leitores ou potenciais eleitores, um exercício complexo de colecta de informação.

Fragmentação Das Mensagens
Todos os partidos políticos estão a usar a estratégia que apela a todos sectores da sociedade. Tal estratégia é em inglês conhecida por catch all startegy. Gerir esta estratégia tem riscos, principalmente, quando as mensagens não são bem articuladas. Por exemplo, gerir mensagens de Mudança e Continuidade pode sugerir uma contradição se os “campaigners” não conseguirem estabelecer uma relação inteligível entre elas. Assim, por exemplo, os longos manifestos poderiam ser resumidos em uma única folha A4 com apelo a infográficos e outros recursos visuais, capazes de tornar as mensagens inteligíveis e de fácil compreensão. Tal procedimento poderia facilitar por exemplo a sistematização das mensagens capazes de ser apresentadas durante as aproximações porta-a-porta.

Fraco Engajamento
Este aspecto é mais visível. Os membros e simpatizantes dos partidos políticos notabilizaram-se em publicar e publicitar a campanha dos seus partidos ou candidatos. Mas poucos se preocupam com os níveis de engajamento. Na verdade ao usarmos as plataformas digitais ou online para campanhas eleitorais, o principal objectivo não é apenas informar mas sim engajar os internautas no debate favorável. Tal não está a acontecer. Listservs (grupos de discussão comonline como YahooGroup ou GoogleGroup), páginas únicas de candidatos, canais de YouTube e de personalidades de referência bem como quiosques online de informação ajudariam a resolver a profusão das mensagens. Na verdade, precisa haver um LUGAR onde as pessoas podem aceder para ver, ouvir e escrever.

  • Fraco Conteúdo
    As campanhas de todos partidos produzem muito pouco conteúdo útil para o engajamento dos cidadãos como para a promoção da utilidade destas eleições. Alguns temas que estão a faltar nas campanhas são:
    Lista de nomes de candidatos a deputado da assembleia da República e Provincial – cada um destes tem o potencial de puxar pelo seu eleitorado, pelo seu círculo eleitoral
  • Dados biográficos de alguns deputados elegíveis
  • Promessas de deputados
  • Iniciativas de lei em carteira
  • Resultados dos trabalhos e impacto na legislatura passada
  • Paz, segurança e desenvolvimento

Fraca integração de recursos: web, redes sociais e e-mail
Não há integração entre o Facebook, E-mail e Website dos partidos políticos. Normalmente, TODO conteúdo deveria ter no website seu repositório. Deveria ser de lá que internautas partiriam para vários canais para de novo lá regressarem. Os canais sociais deveriam ser alimentados pelo website e não por grupos isolados de simpatizantes. A criação de uma equipa para campanha online, melhoramento dos canais de comunicação e das redes sociais, estabelecimento de metas concretas para engajamento e impacto poderia ajudar a reorganizar a forma como as mensagens são passadas pelas redes sociais da internet e outras plataformas digitais. Desenhar estratégias para a otimização do uso do email e da newsletter para que no fim, a campanha se promova como Uma Loja, Um Quiosque De Informação.

Os jornalistas e os riscos da cobertura partidária: uma análise da orientação temática da produção noticiosa no período da pré-campanha das eleições gerais de 2014


Ernesto Nhanale(*1)

Para a análise da pré-campanha eleitoral, elegemos como variável de análise a orientação temática da cobertura feita. Dez meios de comunicação analisados, nomeadamente, os Jornais Notícias, Diário de Moçambique, Opais, Savana, Zambeze, Domingo, Magazine Independente, Canal de Moçambique, A Verdade e Rádio Moçambique (RM)(*2) , no período de 20 a 31 de Agosto, foi recolhido um total de 38 artigos, abrangendo actividades de pré-campanha de 05 dos 30 partidos e movimentos políticos concorrentes às eleições.

Segundo a tabela abaixo, o partido Frelimo foi o que teve o maior número de artigos publicados, durante a pré-campanha, seguido do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), depois da RENAMO; depois, o Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento/Aliança Democrática e Partido do Progresso do Povo de Moçambique. O resto dos partidos e movimentos não tiveram nenhuma aparição na imprensa, neste período.

Por outro lado, dos dez meios analisados neste período, somente 07 (Notícias, Opais, Savana, Zambeze, Domingo, Magazine Independente e Rádio Moçambique) tiveram atenção em questões eleitorais. A tabela 2 permite visualizar a distribuição dos artigos analisados pelos sete meios analisados, neste período.

Destes artigos, foi feita a análise do enquadramento temático dado pelos jornalistas à cobertura dos partidos políticos. Vamos, em primeiro, definir e apresentar a variável de enquadramento temático na cobertura eleitoral.
O enquadramento das matérias é uma das variáveis usadas em diversas análises de cobertura de campanhas eleitorais, sobretudo nas que mais se preocupam com o tipo de construções que os jornalistas fazem dos assuntos. De acordo com Norris e Patrick , os enquadramentos podem ser classificados em 4 categorias: corrida de cavalos, personalista, temático e episódico.

O enquadramento “corrida de cavalos”/estratégico ocorre quando a cobertura dá enfoque à posição dos candidatos na disputa ou às suas estratégias para manter ou modifica o quadro de concorrência. Chama-se por vezes por cobertura estratégica, usando a metáfora de jogos, onde os candidatos apresentam-se como ganhadores ou jogadores que reportados, muitas vezes, em sondagens de opiniões. Quando a preocupação do jornalista é focalizar as características pessoais do candidato, o enquadramento é chamado personalista. O enquadramento episódico é o que dá mais enfoque às ocorrências do dia-a-dia da campanha; e o enquadramento temático situa-se no âmbito de debates a respeito de propostas apresentadas pelos candidatos.
Para além destas quatro categorias, foi acrescentada mais uma, o enquadramento dramático. A televisão mede-se muitas vezes pelo espectáculo, envolvendo situações de conflito. O enquadramento dramático resulta, muitas vezes do valor notícia de construção chamado drama. Segundo Traquina (2007), a dramatização tem sido um elemento que ilustra as controversas dos políticos, uns acusando os outros, fazendo enfoque ao lado conflitual e emocional da “estória”.

Neste período de pré-campanha, grande parte dos artigos publicados tiveram uma orientação mais de corrida de cavalos, ilustrando os espaços e o protagonismo que os partidos iam assumindo. Esta tendência de cobertura foi também alimentada por algumas sondagens de tendência de voto realizadas, durante os momentos da pré-campanha. Também é preciso realçar o facto de esta categoria ter muitos artigos classificados, não pela conta da sondagem eleitoral, mas por várias citações e menções comparativas feitas pelas fontes de informação da vitória dos candidatos, algo que também poderia ser classificável na cobertura episódica.

Exemplos de Cobertura Corrida de Cavalos:
“ No distrito de Katembe, Filipe Nyusi ganha com 65 por cento, dos 63 inquiridos, contra 21 por cento de Daviz Simango e quatro por cento de Afonso Dhakama” (Jornal Notícias de 26, Agosto de 2014)
“ Em Inhambane a situação política é favorável à Frelimo e o seu candidato Filipe jacinto Nyusi”, (Jornal Notícias de 29, Agosto de 2014)
“Corrida de cavalos nota: a fonte fala de informação fala do objectivo da campanha e cita a vitória expressiva do partido e seu candidato. Sendo que há falta de coesão entre o Intro dado pelo jornalista e as palavras da fonte” (Rádio Moçambique, 28 de Agosto de 2014).

Num segundo plano, encontra-se a cobertura episódica, ilustrando os preparativos e apoios do lançamento da campanha eleitoral pelos partidos políticos, sobretudo do candidato da FRELIMO.

Exemplos de Cobertura Episódica:
“Avolumam-se diariamente, pelo país, as iniciativas de apoio de candidato do partido da Frelimo, Filipe Jacinto Nyusi, às eleições presidenciais de 15 de Outubro próximo. Na cidade de Maputo, os dirigentes da Associação Anyusi estiveram ontem envolvidos numa jornada de acção social e de angariação de mais membros para a agremiação, na Praça 25 de Junho, num evento, que visou os polidores de viaturas da baixa capital e as vendedoras de porto de Maputo” (Noticias, 2014-08-21)

“O candidato presidencial da Frelimo às eleições presidenciais de 15 de Outubro, Filipe Nyusi, manifestou, semana finda solidariedade com os mineiros moçambicanos, que trabalha nas minas de Maricana, região sul-africana de Rustenrere, e garantiu que eles estarão na sua agenda de governação” (O País, 2014-08-24)

“está tudo aposto para o arranque da campanha” ( Rádio Moçambique, 29-08-2014)

“fala-se do que será a campanha da Renamo a partir de Domingo” (Rádio Moçambique, 30-08-2014)

A cobertura temática foi também muito destacada na pré-campanha do candidato da Frelimo. O mesmo ocorreu em relação à cobertura personalista que, no caso particular, no Savana teve uma tendência de destacar a personalidade dos outros candidatos às presidenciais, buscando algumas análises comparativos dos perfis.
De uma forma geral, pode-se notar na semana da pré-campanha pouca cobertura. Mesmo sem ser objecto de análise, com uma tendência de “positivização” da Frelimo e do seu candidato, sobretudo nos jornais Notícias e na Rádio Moçambique, conforme iremos mostrar no nosso próximo número, onde iremos explorar a variável de orientação da cobertura entre positiva, negativa e neutra.
Esperamos que nos acompanhe, semanalmente. No final, com o relatório global da cobertura da campanha eleitoral.

(*1) Pesquisador do CEC e coordenador do Observatório da Cobertura Eleitoral de 2014 realizada pelo CEC e o SNJ.
(*2) este período, não foi inclusa a análise ao conteúdo das televisões, devido às dificuldades de acesso aos materiais produzidos.

Mulheres gestantes: nove meses de injustiça, fadiga e humilhação

A incongruência entre as leis que protegem as mulheres gestantes e a realidade que estas vivem no seu quotidiano, fazem da gravidez um novo ciclo de luta pelos direitos da mulher. Foliana e Maria, são um exemplo desta batalha.“…Pus a minha saúde em risco. Até tive problemas com a minha família, mas não podia cruzar os braços, tinha que lutar e buscar o pouco que ganhava para ajudar o meu marido.”

Dar à luz é um processo biológico natural que só a mulher tem a oportunidade de vivenciar. Durante nove meses carrega consigo uma nova vida, um momento em que a alegria e o privilégio de poder gerar um novo ser dilui-se com desrespeito e a consciência da sua vulnerabilidade. Embora seja uma experiência única, nem sempre decorre em condições adequadas.
Foliana Mateus Chilenge, de 33 anos de idade é mãe de dois rapazes e espera o seu terceiro filho. Cozinheira de formação, mas há oito anos exerce a profissão de empregada doméstica, um trabalha que classifica como complicado e por isso decidiu para até que o seu filho nasça, pois as recordações que tem da sua segunda gestação não são das melhores.

 

“Eu sabia que a minha patroa não queria mais ninguém a trabalhar na casa dela e eu tinha muito medo de perder o emprego, então preferi ir trabalhar mesmo depois de ter tido um parto complicado, que foi cesariana. Pus a minha saúde em risco. Até tive problemas com a minha família, mas não podia cruzar os braços, tinha que lutar e buscar o pouco que ganhava para ajudar o meu marido.”
Em Moçambique casos como o de Foliana encontram abrigo na lei do Trabalho no ponto “Maternidade e trabalho” (artigo 12) -Licença de maternidade, que estabelece que mulheres trabalhadoras têm direito a uma licença de maternidade de 60 dias, com salário integral, pago pelo sistema de segurança social. Esta é aplicada igualmente aos nados vivos ou mortos. Caso o quadro clínico da mãe ou da criança a impeçam de trabalhar, ela tem direito a uma licença antes do nascimento por um período necessário, obedecendo a prescrição médica. A gestante tem ainda, segundo a Lei do Trabalho direito à garantia salaria, o que significa que deverá continuar a receber o seu ordenado normalmente.

Garantia salarial (Artigo 27 do Decreto 53/2007- Sobre o sistema de segurança social obrigatório para trabalhadores)

Durante o prazo da licença de maternidade (60 dias), as mulheres têm direito a prestações pecuniárias do sistema de segurança social. Embora a lei moçambicana proteja a gestante no que diz respeito a licença à maternidade e a garantia de salário durante este período, ainda se vivem muitos casos de irregularidade, como o de Foliana Mateus. Muitas vezes esses casos são derivados do desconhecimento das mulheres sobre as leis e normas que protegem o cidadão, um indicador de que o trabalho de divulgação destas mesmas leis necessita de um melhoramento.

Não só a Lei “viola” a mulher gestante, mas também a própria sociedade

“…minha chefe já teve a coragem de dizer-me que está farta de trabalhar com mulheres e que dali por diante queria trabalhar apenas com homens…”
Sentada num banco na ala de maternidade do Hospital Geral de Chamanculo junto a tantas outras, encontramos uma jovem mulher de 23 anos. Ela mostrou-se aberta a partilhar as suas experiências no que diz respeito ao universo da gestação, mas antes que a entrevista tivesse inicio pede que por questões de segurança o seu nome seja mantido em sigilo. Chamemo-la Maria Antonieta.
Maria já saboreou a experiência de ser mãe, tem uma filha de Três anos e encontra-se agora no quarto mês de gestação do seu segundo filho. Mensalmente vai a consultas inclusas no pacote pré-natal, para monitorar a saúde de seu filho.

Sobre o atendimento no hospital ela não tem nenhuma queixa, embora, segundo ela, o tratamento hospitalar a nível geral seja mau, contrariamente à maternidade, que é uma das que melhor funciona. A inquietação de Maria provem de outros fóruns, a questão profissional é uma delas.
Ela é professora na Escola Primaria Completa de Bokisso, em Maputo. Embora conheça os seus direitos enquanto gestante, ainda depara-se com situações a que considera pouco dignas para qualquer profissional. A nossa entrevistada segreda-nos que esta é a primeira vez em que tem que trabalhar estando grávida, e diz constituir surpresa para ela o comportamento de seus superiores com relação a sua gestação.

“Não há respeito. Muitas vezes tive que ‘engolir sapos’ para não perder o meu emprego, porque se quero ajudar o meu marido devo ser paciente. Nos dias em que tenho consultas submeto cartas a solicitar dispensa, mas o meu director costuma indeferir, alega que sempre submeto em cima da hora, mas isso não é verdade, é só uma desculpa para não permitir que eu saia. Hoje (dia da entrevista) por exemplo, estou cá no hospital, mas saí sem informar e posso ser descontada, porque até já sofri essa ameaça de desconto.”

Maria faz menção a episódios ainda mais dramáticos:
“Já tive situações que me deixaram mais indignada. Pensei que nós, mulheres, fôssemos apoiantes umas das outras, pois partilhamos das mesmas experiencias e dores, mas agora acho que nada mais me surpreende. Tanho uma chefe que já teve a coragem de dizer-me que está farta de trabalhar com mulheres e que dali por diante queria trabalhar apenas com homens, pois as mulheres davam-lhe muito trabalho, por estarem toda a hora grávidas. Por incrível que pareça, ela é mãe de cinco filhos.”

Mesmo Conhecendo os seus direitos, Maria diz no saber como agir perante estas situações. Por várias vezes pensou em denunciar os chefes mas, porque todos, família e colegas de trabalho temem pela sua segurança e emprego, a desincentivam. Maria decidiu manter-se em silêncio embora receie que as coisas piorem após o nascimento do filho.
“Não sei como vou lidar com a situação. O salário é pouco para pagar uma babá e também sei que devo dar leite do peito pelo menos durante os primeiros seis meses.”
No capítulo de amamentação, a Lei do trabalho, no seu artigo 11.1, estabelece que durante um ano, a mulher deve beneficiar do enfermagem breaks, uma pausa diária com a duração de uma hora, que pode ser gozada em um intervalo, tirado de uma única vez ou repartido em dois períodos ao dia. A enfermagem breaks é permitida à mulher trabalhadora de modo que possa amamentar seus filhos. Estas pausas devem ser totalmente pagas e são consideradas como tempo de trabalho.

Maria serve-se do seu próprio caso para concluir que “este instrumento [Lei do Trabalho] é inoperante.” Ela vive na cidade de Maputo e precisa de duas horas para chegar ao local de trabalho, distância percorrida com recurso a dois ‘chapas’ e um pequeno troço concluído a pé. Futuramente, ficará assim descartada a possibilidade de esta tirar a hora prevista para regressar à casa amamentar o seu bebé.

As viagens diárias da nossa entrevistada tornam-se ainda mais cansativas quando, dentro do autocarro não consegue um assento, tendo que fazer as viagens de pé. As duas mães que trazemos nesta reportagem comungam desta mesma realidade: viagens longas e nada cómodas.

A equipe do CEC escolheu um dia para acompanhar o percurso da primeira entrevistada, Foliana Mateus, que saía de Nkobe em direcção à Baixa da cidade (Anjo Voador). Tomamos um autocarro da Empresa Municipal de Transportes Públicos de Maputo (EMTPM). Eram 11 horas. O autocarro estava lotado, não havia um só assento livre. Havia passageiros de todas as idades. Foliana foi a primeira a subir, e nós seguimo-la. É regra, naqueles autocarros, entrar-se pela porta traseira e, uma vez dentro do carro o passageiro deve, a todo o custo, tentar afastar-se, pelo corredor, em direcção à porta frontal, para dar espaço aos passageiros que vão entrando ao longo da viagem. A ser feita essa leitura, pode-se calcular que durante as cerca de uma hora e meia de viagem, Foliana tenha sido vista pela maioria dos passageiros que passaram pelo autocarro, no entanto, ninguém se dignou a ceder o assento a esta senhora gestante, já com seis meses de gravidez. Ficou evidente a quebra das regras de civismo social que recomendam que se ceda assento e vaga (nas filas) a mulheres grávidas, idosos, deficientes físicos e pessoas que carreguem bebés ao colo.

Falta foco do Governo na promoção e execução dos ODM
O estado de gravidez não é sinónimo de doença, mas é motivo para se estar alerta pois é um estado de vulnerabilidade para a contracção de muitas doenças, com especial atenção para as de fundo infeccioso como a malária.
Segundo refere Olga Sigauque, do Departamento de Saúde materno-infantil do Ministério da Saúde (MISAU), o Estado tem vindo a trabalhar com vista a melhorar a situação da mulher e criança no país, buscando oferecer melhor atendimento hospitalar, plano que está relacionado ao alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). O actual pacote de atendimento à mulher (pré-natal) inclui o tratamento de uma grande quantidade de doenças, sendo este composto por uma forte bateria de exames que, segundo Sigauque, nos últimos anos sofreu readaptações com a introdução do exame de HIV/SIDA que passou a ser obrigatório para as gestantes.
A saúde da mulher gestante e da criança mereceu também uma especial atenção por parte dos governos de muitos países, ao ser colocada como um dos pontos ODM anteriores, que determinavam que até 2015: se reduzisse em dois terços a taxa de mortalidade de menores de cinco anos (ponto 4); se reduzisse em três quartos a taxa de mortalidade materna (ponto 5); se combatesse o HIV/SIDA, a malária e outras doenças (ponto 6).
Relativamente a estes ODM, a leitura que o médico representante da UNICEF, Frederico Brito faz é de que há muito por ser feito no que diz respeito a situação da gestante no país. Frederico aponta que dos ODM relacionados a saúde materno-infantil, apenas um foi alcançado que é o ponto 4, uma vez que, as estatísticas apontam que anteriormente, 200 entre 1000 nascimentos não conseguiam atingir os cinco anos de vida, e actualmente houve uma redução significativa, de 200 para 97.
Como principais causas das falhas no cumprimento dos restantes ODM nessa matéria, Frederico Brito critica a falta de foco do Governo na promoção e execução dos pontos traçados pois, ele entende que “as políticas existem, falta apenas investir com seriedade e procurar perceber quais são as áreas vitais na sociedade.”

O representante da UNICEF traz como exemplo a seguinte situação: “se o centro de saúde lá da vila for melhorado, mas a estrada que leva os pacientes até lá continuar esburacada é óbvio que não haverá nenhum avanço. Portanto, para que haja melhorias efectivas na saúde é necessário que seja feito um trabalho intenso em todas as áreas vitais e passe também pela sensibilização da população, fazendo-lhe perceber as coisas e a importância dessas mesmas coisas para si.”
Uma vez esgotado o prazo dos anteriores ODM e não cumprida boa parte das metas, foram lançados novos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, cujo prazo vai até 2030. Segundo analisa o médico representante da UNICEF, estes novos objectivos carregam um núcleo muito distinto dos anteriores, pois estes não estão focalizados nas consequências e sim na prevenção, preocupando-se não sobre como reduzir os danos (como por exemplo é exposto no ponto 4 do ODM), mas sim como se pode evitar que se chegue a fase do problema. No entanto, o médico recorda que é necessário que os governos ponham com maior urgência todas estas políticas em funcionamento, de modo a evitar perdas de vidas humanas e outros danos para as populações, pois o estado de gravidez é uma fase muito delicada e que quando não respeitada pode ter consequências graves.

Nota de abertura

A monitoria da cobertura dos media nos processos eleitorais cumpre um papel fundamental, sobretudo pelo facto de os jornalistas constituírem numa das fontes de informação fundamental a partir da qual os eleitores tomam conhecimento sobre os programas e os candidatos concorrentes. Como é sabido, a informação configura-se como o condimento primordial para os eleitores tomem conhecimento das ofertas dos candidatos e façam as suas escolhas. Normativamente, não se pode pensar num processo eleitoral sem informação.
No leque das várias fontes de informação, como os espaços de antena dos partidos, os comícios, as redes sociais proporcionadas pelos novos media; o trabalho dos jornalistas ocupa um espaço especial graças ao seu estatuto social e a lógica do seu funcionamento que lhe permite agir como um filtro dos eventos e indicar aos cidadãos o que há de “mais importante”, ao longo da campanha eleitoral, segundo os seus critérios de classificação. Dir-se-ia, numa forma mais simples, que de recolha e divulgação das actividades de campanha feita pelos media noticiosos configura-se, idealmente, como credível, uma vez a função social do jornalista definir-se pelos valores de isenção, imparcialidade e objectividade.

No entanto, os problemas que levam a monitoria da cobertura eleitoral derivam do próprio papel social do jornalista e das limitações do seu trabalho. Muitas vezes, os políticos por reconhecerem o papel que os media noticiosos gozam na sociedade, empreendem diversas estratégias de pressão dos actores do campo jornalístico com a finalidade de angariar uma cobertura positiva sobre os seus candidatos, por vezes, criando efeitos negativos sobre a campanha dos adversários.
Com a profissionalização da comunicação política, surge o efeito spin doctoring, uma a actividade profissionalizada realizada por profissionais de comunicação ligados aos partidos políticos que trabalham com o objectivo de obter uma influência favorável da cobertura dos jornalistas nas campanhas eleitorais. O termo Spin Doctoring é usado para caracterizar os métodos mobilizados pelos políticos, partidos e consultores para alcançar uma publicidade favorável. Para alcançar seus objectivos eleitorais, algumas campanhas lidam directamente com os media, outras são responsáveis por melhorar a sua própria campanha partidária e outras são encabeçadas a constituir-se como um instrumento de luta contra a oposição(1).

Efectivamente podemos dizer que é na retórica da credibilidade da informação que se geram os efeitos de propaganda. Isto é, o facto de o público reconhecer os media como fonte credível para a informação sobre os candidatos e suas propostas, o jornalismo torna-se num campo de luta e de disputa pelos partidos políticos. Quando o jornalista, por vários motivos ligados às fragilidades da sua profissão, dentre os quais as limitações financeiras, as ligações organizacionais e pessoais com os candidatos e partidos políticos, o produto do seu trabalho torna-se lesivo aos reais objectivos da cobertura eleitoral que é promover uma participação consciente.
A monitoria da cobertura eleitoral cumpre assim um papel de instância de controlo, entre a demarcação do papel informativo dos media e o grau em que tendem a ser capturados pelos partidos políticos, no quadro neste quadro de disputas entre o normativo e os jogos de interesses políticos.
Dentro da sua missão, o Centro de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (CEC), em parceria com o Sindicato Nacional dos Jornalistas, realiza este papel de “observador” da acção dos media na cobertura da campanha eleitoral de 2014. Para este ano, o trabalho procura ser feito de forma inovadora: ao invés de produzir um relatório final da campanha, os pesquisadores vão, ao longo da campanha emitindo relatórios semanais da cobertura, como forma de garantir que os jornalistas possam ser capazes de reverem a orientação da cobertura, de acordo com os resultados divulgados.
Para além das informações gerais produzidas a partir dos gráficos de frequências, os artigos semanais serão acompanhados de uma análise qualitativa de cada um das variáveis importantes da monitoria da cobertura eleitoral. Com isso, os pesquisadores do CEC pretendem fornecer um maior conhecimento público sobre os padrões de qualidade da cobertura eleitoral, assim como a sua orientação durante a campanha eleitoral, em Moçambique.
O relatório final da campanha irá trazer a análise global da campanha, tendo em conta as diversas variáveis analisadas.

(1) ESSER, F. et al. (2000). Spin Doctoring in British and German Election Campaigns: How the Press is Being Confronted with a New Quality of Politic PR. In European Journal of Communication. http://ejc.sagepub.com/cgi/content/abstract/15/2/209. Acesso aos 27 de Dezembro de 2008.

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