Um dos maiores desafios que Moçambique enfrenta é o acesso à educação, tendo em conta que mais de 40% da população é analfabeta, este desafio agrava-se quando se trata de pessoas com Necessidades Educativas Especiais, uma condição que não só afecta as a elas, mas também as suas famílias que se vêm obrigadas a travar uma luta diária para conseguir autonomia dos filhos e garantir melhor qualidade de vida.
De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), existem em Moçambique 164.876 crianças e jovens com algum tipo de deficiência, dos quais 103.276 são menores de 14 anos e apenas 47,6% dessas crianças estão no ensino primário e secundário. Apesar de o Ministério ter estratégias com vista a criar condições necessárias para a educação inclusiva e desenvolvimento das crianças com deficiência, ainda existem muitas famílias que têm filhos com alguma necessidade educativa especial, que nunca frequentaram a escola. Este é o caso de Joaninha (17), a quarta de um total de sete filhos da dona Rosa Salama (47).
Rosa Salama conta que aos dois anos, a filha começou a adoecer com muita frequência, tendo até sido internada cinco vezes, mas dona Rosa nunca era informada sobre a real doença da filha. “Quando ela adoencia, eu a levava sempre ao Hospital Central [ de Maputo] e na época os médicos diziam tratar-se de anemia. Passado algum tempo começou a ter dificuldades na fala e o seu crescimento era fora do padrão. Hoje, com 17 anos aparenta uma criança de 10”, lembra a mãe da adolescente, que conta ainda que a menina nunca teve contacto com a escola apesar de certa vez ter tentado inscrevê-la numa escola próxima. “Pediram que aguardasse, e nunca fui chamada. Acabei optando por deixá-la em casa, mas ainda sonho vê-la a estudar.”
Aos 17 anos, Joaninha passa o dia inteiro em casa a fazer algumas tarefas domésticas e a brincar com os amigos que a ensinam a contar. A mãe fala orgulhosa que a menina sabe contar até dez.
Maria José (14) tem uma história oposta à da Joaninha, pois, graças a persistência do pais ela frequenta a escola. Maria foi diagnosticada cegueira aos 3 anos. Depois de várias tentativas em inserí-la numa escola, apenas aos 10 anos foi aceite numa que a mãe, Ester Sithole – que nunca pensou em inscrevê-la numa escola especial – considera reunir condições para que a filha possa estudar em pé de igualdade com as outras crianças aparentemente sem nenhuma deficiência. “Acredito que o facto dela estar numa escola regular constitui vantagem porque não é diferente de outras crianças, só precisa de mais atenção e ela nunca reclamou de exclusão, muito pelo contrário, os colegas a apoiam sempre, também acredito que numa escola especial a evolução dela seria mais lenta”. Hoje, com 14 anos e a frequentar a quarta classe, Maria é uma das melhores alunas da turma e motivo de orgulho para os pais que garantem que apesar das dificuldades, continuarão a empreender o máximo de esforço para que a filha frequente a escola.
Confrontada sobre o caso das duas mães, a Chefe do Departamento de Educação Especial do MINEDH , Maria Luisa Manguana assegurou que todas as escolas são instruidas a receber os alunos com qualquer tipo de necessidade e orientadas a reportar aos Serviços Distritais da Educação, Juventude e Tecnologia e estes, por sua vez, à Direcção Provincial da Educação e Desenvolvimento Humano para capacitar os professores a atender esses alunos.
Ao nível das comunidades rurais, vários factores contribuem para que as pessoas com necessidades educativas não frequentem a escola, entre elas superstição tal como afirma Nacima Figia, Especialista em Educação, na Save the Children International em Moçambique (SCiMoz) . “Geralmente, as famílias que têm uma pessoa com necessidades especiais alegam que a deficiência é decorrente de espiritos dos antepassados que não queriam o nascimento da criança ou a mãe não foi abençoada, e recomendam que a criança não seja aceite. Já nos deparamos com casos de pessoas presas em árvores ou dentro de casa, que recebem comida pela janela. Isso causa um indescritível sofrimento a essas pessoas”. Para reverter este cenário a SCiMoz levou a cabo um trabalho de sensibilização ao nível das comunidades sobre a existência de diversas doenças, no sentido de fazer perceber que não se trata de nenhum castigo ter uma criança especial, e que não razão de isolar essas pessoas.
O processo de ensino à criancas com NEE’s
Segundo o MINEDH, todas as escolas estão preparadas para atender alunos com NEEs, visto que no curso de formação inicial de professores existe a disciplina de psicopedagogia, na qual são abordados aspectos inerentes ao atendimento às NEEs, porém não na sua plenitute.
Alberto (nome fictício), professor da Escola Secundária Josina Machel, em Maputo, que tem algumas turmas especiais falou ao MediaFemme das dificuldades em dar aulas à alunos com NEEs, pois, ao que conta, os professores não recebem nenhuma formação específica para lidar com estes alunos.
“Aqui a maioria dos alunos com NEEs é surda e muda, e temos alguns com as duas deficiências. Mas temos também alunos com distúrbios mentais. Na primeira vez que tive contacto com eles não sabia nada da língua de sinais. Desta forma torna-se difícil o processo de ensino e aprendizagem”.
No entando, de acordo com Maria Luisa Manguane, desde 1998, alunos com NEEs são atendidas em escolas de referência como a Secundaria Josina Machel e os professores eram capacitados a atender à diversidade educacional na turma inclusiva, porém, por conveniência de serviço (transferência, para ocupação de posto de trabalho na mesma categoria por razões imperiosas e interess e público) ou reforma dos professores capacitados, estes quadros foram transferidos para outras escolas ou passaram a desempenhar outras funções. Entretanto, para inverter o cenário actual das escolas de referência, tendo como base a Escola Secundária Josina Machel, o Departamento de Educação Especial disponibilizou um técnico e um professor de Educação Especial que estão a trabalhar com alunos surdos e mudos da 8ª, 9ª e 10ª classe, 90 minutos por semana em cada classe, com vista à promoção do desenvolvimento do vocabulário da Língua de Sinais naquele nível de ensino.
A concordar com o professor Alberto, Eriqueta Tamela, professora da Escola Especial Cerci Maputo, que trabalha apenas com crianças com NEEs, com particularidade para doenças mentais considera haver necessidade de uma formação específica para lidar com essas crianças. “Infelizmente, as formações não abrangem muito a questão diferentes tipos de necessidades, só se fala que é deficiente. Os professores não estão habilitados a saber, por exemplo, o que é um autista, quais são as dificuldades, os sintomas que vão permitir saber se esta pessoa tem determinada necessidade, qual é a sua área de inclinação, tendo em conta a suas dificuldades” lamentou.
Nacima Figia, da SCiMoz, por sua vez, considera haver um esforço no que diz respeito à inclusão em Moçambique, pois sempre houve uma preocupação na integração na escolas a crianças com NEEs, no entanto, concorda que haja necessidade de mais atenção relativamente à preparação dos próprios professores, “Hoje em dia, nos currículos e também na formação há a observância da questão de NEEs, porém, em termos práticos existem limitações tais como não saber lidar com as crianças, pois isso requer, primeiramente, saber distiguir o tipo de necessidade que essa criança tem, bem como o facto dos professores não terem estratégias para gerir turmas numerosas e a falta de material didácticoˮ.
Turmas volumosas como um dos factores que dificultam a inclusão
O rácio aluno/professor em Moçambique (57 alunos por professor) continua acima da média do que é recomendado pela UNESCO que é de 40 alunos por professor, facto que os professores consideram um obstáculo à inclusão, pois, na sua opinião, pode trazer implicações como a fraca interação, bem como a insatisfação das necessidades académicas dos alunos, o que vem a contribuir para a fraca inclusão tal como afirma Eriqueta Tamele. “Por vezes não é a falta de preparo do professor, vejamos o caso de um professor para 50 alunos dos quais dois têm NEEs, a dado momento o professor fica frustrado porque está a passar uma informação que só um grupo está perceber e ele acaba se aliando ao maior grupo. Os outros ficam à deriva porque no final do ano têm que apresentar resultadosˮ, referiu Eriqueta, que considera que a pessoa com NEE’s tem que estar próximo ao professor para melhor controle, pois, nem sempre tem capacidade de aprender a ler e escrever, e nesse caso o professor deve procurar descobrir a inclinação do aluno e trabalhar neste ponto.
Estratégias com vista melhorar a inclusão no país
Para melhorar a qualidade do processo de inclusão em Moçambique, o MINEDH aprovou a estratégia de Educação Inclusiva e desenvolvimento das crianças com dificiência, (2012-16 que foi estendido para 2019), que contém cinco áreas de intervenção com vista promover um sistema educativo inclusivo, eficaz e eficiente que garanta que as pessoas adquiram competências requeridas a nível de conhecimentos, habilidades, gestão e atitudes que respondam às necessidades de desenvolvimento humano. Segundo a Chefe do Departamento de Educação Especial do MINEDH, Maria Luisa Manguane, para concretizar essa estratégia criou-se um grupo de implementação “este grupo visa harmonizar as respostas multissectoriais que irão envolver alguns ministérios como, Saúde, Acção Social, Trabalho, Emprego e Segurança Social, de modo que as crianças possam ir a escola e depois da sétima classe aprendam algo para se tornarem independentes”.
Para a articulação dessas iniciativas, conta-se com serviços promovidos e dinamizados por associações de/e para pessoas com deficiência e ONGs para uma completa inserção comunitária das práticas inclusivas. É o caso da Save The Children que trabalhou com o sector da saúde como forma de identificar crianças com NEE’s e ver que necessidade abrangia maior número de crianças, neste caso, a audição e visão. Foram capacitados professores e oferececidos materiais como máquinas braille em algumas escolas de Manica e Gaza.
Além do Ministério da Saúde, o projecto envolve o Ministério da Educação e o da Acção Social, no apoio e atendimento às crianças com vista a facilitação em termos de inserção e sensibilização dos professores no contexto escolar. O projecto surtiu efeitos positivos pois as famílias sensibilizadas levaram os filhos à escola. De referir que segundo o MINEDH existem no país 8 escolas especiais e 177 escolas primárias e secundárias inclusivas.
No entanto, além do preparo dos professores para lidarem com diferentes tipos de NEE’s, há uma necessidade de criação de um centro de avaliação das aptidões dessas crianças como forma de perceber se a criança tem condições de aprender numa escola regular ou deve estar numa escola especial.